O Sigilo Maçónico

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Em todas as religiões orientais herméticas, desde as praticadas na China, Índia, Egipto, Grécia e outras, o processo de ensinamento consta de duas vertentes: a primeira, é o discurso livre, exotérico, para o conhecimento de todos, do povo em geral, sem reservas, em que pese o seu singelo estado cultural. O outro, é o processo esotérico, reservado aos homens rigorosamente seleccionados, segundo o seu maior potencial e mais adiantado estado cultural, para a “iniciação” nos mistérios religiosos. Esses serão preparados devidamente para entrar na posse do conhecimento da verdade. Neste último ensinamento é que reside a exigência do “Sigilo”, para que os mistérios religiosos não sejam divulgados àqueles que não estão preparados para conhecê-los.

Como teria surgido nas religiões antigas a necessidade de se manter sigilo?

Presume-se que nos idos do pós Dilúvio, quando prevalecia na terra as religiões na forma de idolatria, os judeus decidiram formar uma ordem religiosa distinta, a qual acolheria não somente os filhos de Israel mas, também, os gentios que tradicionalmente professavam a fé no mesmo Deus. Num dado momento em que a prática da religião tornou-se perigosa, para fugir à perseguição, para preservar os seus segredos, tiveram que lançar mão do artifício de ministrar os seus ensinamentos religiosos através de símbolos. Dentre os povos idólatras, os segredos religiosos sempre estiveram somente nas mãos dos sacerdotes, os quais praticavam a iniciação de adeptos sob o maior segredo. Mais tarde, a mesma prática foi adoptada pelos devotos de outras religiões herméticas, chegando no correr dos tempos até à Maçonaria.

Dentre as práticas das religiões antigas o “Sigilo” foi um dos subsídios absorvidos pela nossa Sublime Ordem, conservados que foram os mesmos conceitos, até hoje.

A Maçonaria Universal, a nossa Sublime Ordem, na sua milenar sabedoria, ministra os seus mistérios através de um processo gradual de ensinamento, o processo esotérico, absorvido das religiões antigas, o qual é dado a conhecer aos seus membros ao longo de todos os seus graus. Dentre as recomendações transmitidas, duas delas merecem especial destaque neste trabalho. Em primeiro lugar, a recomendação da Moral Maçónica, que é o comportamento que os membros deverão observar, não somente nos templos maçónicos mas, o que é mais importante, nas suas actividades profanas, como homens livres e de bons costumes, para contribuírem como paradigmas na construção do bem estar social da Humanidade A segunda recomendação está inserida na primeira, é a do Sigilo Maçónico, o qual já é exigido do neófito no seu primeiro contacto com a Maçonaria, no juramento que presta na sua Iniciação, como de resto é, também, exigido de todos os membros permanentemente no encerramento dos trabalhos das Lojas

O Sigilo é, senão o mais importante, pelo menos um dos conceitos mais atacados pelos opositores da Maçonaria. Essa oposição teve início depois da Constituição de 1723, a conhecida Constituição de Anderson, o qual, coadjuvado por Desagulliers, modificou os rituais da Ordem, já, então, começando esta a ser dominada. pelos intelectuais, pelos aristocratas e pelos dissidentes religiosos. Começou aí a maçonaria especulativa. A partir de então teve início o confronto com as igrejas anglicana e católica. Isso aconteceu provavelmente porque a Constituição de Anderson não considerou o aspecto cristológico das Old Charges, as quais eram o esteio da Maçonaria Operativa desde o século XIV.

Nessa ocasião, no correr dos séculos XVIII e XIX, a Maçonaria, como ordem dita secreta, tornou-se muito poderosa, tendo sido responsável pelos movimentos revolucionários que eclodiram no mundo todo, dos quais fez parte os ocorridos no Brasil, sendo o mais conhecido o movimento contra o jugo português, o da Inconfidência Mineira.

No que respeita ao significado do vocábulo “sigilo”, se nos valermos do Dicionário Aurélio verificaremos que os verbetes relacionados em seguida querem significar, em suas raízes a mesma coisa. São praticamente sinónimos, encontram-se entrelaçados em seus mais diversos significados. São eles Mistério, Secreto, Reserva, Cautela, Precaução, Confidencial, Sigilo, Segredo, Enigma, Oculto.

Para os leigos e de um modo geral para o grande público, esses termos passam a tomar significados diferentes, na medida em que tocam mais ou menos as emoções de cada um. Assim, alguns desses vocábulos, tais como Reserva, Cautela e Precaução, transmitem ideias normais, sem grande rigor na sua observância. Todavia, outros como Mistério, Secreto, Oculto e Enigma, representam ideias muito fortes e estremadas, de actividades pagãs, anti-cristãs, demoníacas, ligadas ao sobrenatural e que extrapolam os sentidos humanos. Esses vocábulos levam o homem a relaciona-los mais ao ocultismo, no seu sentido mais de feitiçaria, magia, adivinhação, quiromancia etc. Outros, ainda, como Sigilo e Segredo transmitem ideias medianas, cuja observância, entretanto, fica determinada, fica exigida.

Assim é que a adjectivação usada pelos inimigos da Maçonaria, rotulando-a de religião ou organização secreta, objectiva impactar os sentimentos, as emoções do grande público incauto, transmitindo-lhe sempre o sentido “negro” do ocultismo.

Como pode ser secreta a Maçonaria, quando as suas Constituições são registadas em cartório? Como pode ser secreta a Maçonaria, quando ela dispõe de CGC? Como pode ser secreta a Maçonaria, quando você, meu caro Irmão, eventualmente paga os seus compromissos com a sua Loja, em banco, através de Ficha de Compensação nominal? Como pode ser secreta a Maçonaria quando o seu endereço, através dos templos maçónicos, são notoriamente conhecidos? Esses templos pagam os seus impostos (IPTU) e as taxa de consumo de água e luz. A Maçonaria é, portanto, conhecida dos povos e de todos os governos onde ela é praticada livremente.

Ao contrario de nossa Sublime Ordem, as organizações secretas operam na clandestinidade, na ilegalidade, sem paradeiros, sem endereços, em locais “subterrâneos”, desconhecidos e não sabidos. E mais, reúnem-se com fins escusos.

Vejamos o sentido figurado do vocábulo “subterrâneo”, segundo o Dicionário do mestre Aurélio:

Verbete: subterrâneo [Do lat. subterraneu.]

  • Adj.
  • 3. Fig. Feito clandestinamente; secreto, ilegal:
  • 4. Fig. Feito às ocultas com o fim de solapar, comprometer ou destruir alguém ou algo:
  • 5. Fig. Obscuro; misterioso: ~V. drenagem -a, lençol – e lençol de água -a.
  • ~V. subterrâneos.

A Maçonaria já esteve na clandestinidade mais de uma vez, principalmente em países totalitários. Mesmo no Brasil, pelas mãos do Imperador D. Pedro I, a Maçonaria, que o elevou ao alto cargo de Grão-Mestre da Loja Grande Oriente do Brasil, em 1822, foi fechada, por problemas políticos. O movimento maçónico estava procurando a liberdade do povo, não mais que isso.

Dizer-se que a Maçonaria é uma organização secreta, dentro desse conceito ocultista usado pelos seus detractores que sofismam na sua argumentação é realmente mera especulação.

Como pode ser secreta uma organização que promove solenidades “brancas”, trazendo para os seus templos autoridades dos três poderes do governo, como convidados ou como palestrantes e, até mesmo, como homenageados?

Como pode ser secreta uma organização que não tem um poder central, como as praticadas por àquelas marginais e herméticas e por muitas organizações religiosas, inclusive as suas inimigas?

Como se sabe, muitos livros escritos por Irmãos de nossos quadros, por Irmãos que deixaram nossas colunas e, até mesmo, por leigos estudiosos da Maçonaria, estão aí enchendo as prateleiras das livrarias, à disposição de quem queira adquiri-los. Esses livros contam tudo? Sim, quando se trata de Irmãos descontentes. Contam; contam quase tudo, quando se trata de autores verdadeiros e justos maçons. Neste caso, só não contam o essencial, aquilo que só aos iniciados cabe conhecer e que são os nossos mistérios, guardados do grande público, através da prática do sigilo.

Mas a segurança da Maçonaria é frágil. Ela pode e tem sido facilmente penetrada. Como poderemos, então, guardar os nossos segredos? A porta de penetração é a selecção de profanos para tomarem lugar entre nós. Por isso que a infidelidade maçónica começa na má indicação de candidatos, passando pela sindicância mal feita. Esse é o ponto Aqueles que foram mal seleccionados, certamente não permanecerão por muito tempo na nossa Sublime Ordem. Esses, via de regra, são potencialmente os que mais provavelmente não titubearão em dar a público o pouco conhecimento que chegaram a ter acesso. São esses maus maçons que até mesmo nos “passos perdidos” aproveitam a oportunidade para solapar a Maçonaria. Como deveremos reagir contra esses que, através da ignorância, da inveja, da insatisfação e do ciúme, denigrem a nossa Sublime Ordem?

Entendo que a fórmula certa para evitar essas desastrosas atitudes de homens não preparados para integrar a nossa Sublime Ordem é, realmente, aumentar a segurança, apertar o cerco da escolha. É depurar rigorosamente na selecção, inclusive divulgando e submetendo as propostas às outras Lojas, tal como já o fazem as Lojas coligadas da Baixada Santista. Propor somente àqueles de boa formação moral, espiritual, justos, honestos, livres de consciência, de bons costumes, àqueles que já nasceram “maçons”. Essa é talvez a maneira de enobrecermos nossa colunas, a maneira de preservarmos e mantermos a intimidade de nossa Sublime Ordem. Não será com quantidade que haveremos de fortalecer nossas colunas. Precisamos nos libertar desses intrigantes.

Veja-se, em I Co 15:33, o que o apóstolo Paulo, a propósito do “diz que me disse”, recomenda aos Coríntios:

33 Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes.

Foi num trabalho de um nosso Irmão norte americano que encontrei uma sábia resposta. A de que os verdadeiros segredos da Maçonaria são intangíveis.

A Maçonaria tem sim os seus segredos, não há o que negar. Mas longe está de ser uma organização secreta. A exigência de sigilo de seus segredos começa no juramento do recipiendário, do profano que está sendo iniciado nos mistérios da Maçonaria, o qual segue, resumido: “… jurais e prometeis, … em presença do Grande Arquitecto do Universo: e de todos os Maçons … nunca revelar os Mistérios da Maçonaria que vos forem confiados…?

Bem, mas o que há de extraordinário nisso? Qual a organização, seja ela religiosa, comercial, intelectual ou familiar, que não tenha segredos ou não pratica reservas ou sigilo de algumas coisas ou fatos? Isso começa a ser praticado na célula social, a família. Todas, inclusive a nossa, evidentemente, mantém no recôndito de sua intimidade fatos, negócios, particularidades físicas e espirituais de seus membros. Esse é o sigilo. É o recatamento natural, inerente ao ser humano. Todos os governos têm os seus assim chamados “segredos de estado” e nem por isso são de carácter ocultista. E, no mundo dos negócios a “alma” é o segredo.

Os nossos segredos maçónicos sujeitam até mesmo os nossos Irmãos. São segredos de câmaras, tratados em níveis diferentes, especificamente nas Loja de cada grau. A Maçonaria proclama o cuidado que se deve ter no trato dos assuntos, sejam eles filosóficos, morais, ritualísticos, administrativos e, o que é muito comum e particularmente importante, os assuntos pessoais de Irmãos, cuja câmara específica para analisar e decidir sobre os mesmos é o Conselho de Família. Por isso que, para resguardar o sigilo da Ordem, não se encontram segredos escritos em nossos rituais. A sua transmissão é oral. É de boca para ouvido. É o sigilo de “confessionário”! De resto é isso que nos permite reconhecermo-nos discretamente.

Não seria demais citarmos que o próprio Jesus Cristo, o nosso amantíssimo Redentor, no seu ministério aqui na terra usava as duas formas, a exotérica e a esotérica, nos seus ensinamentos ao povo e aos discípulos, respectivamente. Quando falava aos discípulos, pedia-lhes sigilo daquilo que ensinava. Entre tantas citações que se encontram na Bíblia a esse respeito, vale mencionar pelo menos a que se encontra em Mt. 17: 9, a qual regista as palavras de Jesus a Pedro, Tiago e João, depois da transfiguração:

9 Enquanto desciam do monte, Jesus lhes ordenou: A ninguém conteis a visão, até que o Filho do homem seja ressuscitado dentre os mortos.

A prática do sigilo é permanentemente lembrada nas Lojas. Por exemplo, nas Lojas vinculadas a Grande Loja Maçónica do Estado de São Paulo, e cujo rito praticado é o Escocês Antigo e Aceito (REAA), qualquer que seja o grau trabalhado, o encerramento dá-se sempre pelo Venerável Mestre pronunciando as seguintes palavras, que resumimos: “… Antes, porém. de nos retirarmos, juremos o mais profundo silêncio sobre tudo quanto aqui se passou!”

Já, em outra potência, o Grande Oriente do Brasil, por exemplo, essa preocupação não é tão grande. Os manuais omitem esse juramento.

Se nos reportarmos aos graus filosóficos, particularmente no REAA, o Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria para a República Federativa do Brasil, encontraremos lá, sistematicamente, em todos os graus, a mesma preocupação, mas, não tão forte.. Quando do encerramento, o presidente da Loja pede o juramento dos Irmãos, com uma, também, pequena diferença,: no lugar de “o mais profundo” usado pela Maçonaria Simbólica é dito “o mais conveniente”.

Como vimos, nos três casos acima citados, há três maneiras diferentes de tratar o sigilo na Maçonaria.

Provavelmente em razão de modificações dos rituais, ao longo do tempo. Em que pese a validade de suas diferentes colocações, entendemos que o “sobre tudo” não pode ser tomado ao pé da letra, pois nem tudo o que é tratado em Loja é segredo. Essa colocação não deve transpor os limites de uma força de expressão! Trata-se, como entendo, de um princípio, no sentido de um axioma e não de uma regra, no sentido de lei. Entretanto, já tenho percebido Irmãos que tratam o assunto sob forte emoção.

Isso me faz lembrar de algumas pessoas que exacerbam o sentido das palavras do apóstolo Paulo na sua primeira epístola aos Tessalonicenses, em I Ts 5:16-18. Só para citar um exemplo de como é necessário manter-se o bom senso, transcrevemos abaixo apenas o versículo 17:

17 orai sem cessar;

Como pode alguém orar sem cessar? E, então, como isso deve ser entendido? Deve ser entendido como princípio e nunca como prática permanente ou como costume, como regra, como lei. Mas a nossa alma deve viver o clima da oração, valendo-nos dela sempre que oportuno ou necessário.

O cuidado de preservar os nossos segredos, o nosso sigilo, é muito importante e deve merecer de todos Irmãos uma grande e firme atenção, para assegurar à nossa Sublime Ordem uma eficiente, tranquilizadora e cada vez maior segurança. Isso é parte indispensável do comportamento maçónico. Como no caso da oração, devemos estar sempre alertas, para preservar o “sigilo maçónico”.

Texto de Francisco Mello Siqueira

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